África, de caminhão de Londres a Dar-es-Salaam

Estudo de Caso
Trilhas de Longo Percurso
Overland Travel: África, de Londres, UK a Dar-es-Salaam, Tanzânia, 1985-86

Texto e fotos:  Roberto M.F. Mourão / Albatroz Planejamento 

 

africa bwana line of portersUm Safari pela África, de caminhão
23 semanas, 20.000 km

Um relato para ilustrar viagem por “trilhas” 4×4 wd de longos percurso e duração.

 

O Sonho, Preparativos e Partida

O cinema, em seus filmes sobre o continente africano, quase sempre transmitiu uma imagem distorcida do que seja um Safari – que em Swahili ou Kiswahili, significa Jornada, originalmente do árabe “safar” que significa jornada. O verbo para “viajar” em Swahili é kusafiri. Essas palavras são usadas para todo tipo de viagem, de ônibus, de ferry, etc. Safari entrou na língua inglesa no final da década de 1850 graças ao explorador Richard Francis Burton.

A palavra Kiswahili vem do árabe transliterado como sawāhil – é o plural da palavra “sāhel” significando “fronteira” ou “litoral”, usada como adjetivo de “negociantes do litoral” A adição do prefixo ki o define como um idioma. Sahel também é o nome que se dá à região oriental do deserto do Saara, transição para Savana, as campinas africanas. 

Swahili tem como base a língua banto, com grande número de falantes. Uma fração significativa do vocabulário do Swahili é derivada do árabe através do contato com os habitantes muçulmanos de língua árabe da Swahili Coast.

Algumas palavras em swahili são conhecidas, tais como simba = leão, Kilimanjaro = Montanha da Grandeza e Bwana = chefe ou mestre.

africa safari bwanas africansNas telas, os heróis, os grandes bwanas, trajando inconfundíveis conjuntos cáqui, armados de pesados rifles, à frente de uma ”centopéia” de carregadores, cruzavam florestas, savanas, pântanos, sob a ameaça de “feras terríveis”, cruéis canibais, quando não desapareciam tragados por areias movediças.

Foi a partir do conceito de jornada, viagem, que decidi fazer um safari fotográfico, “armado” de câmera fotográfica e filmes (slides porque na época nem se sonhava com cameras e fotos digitais), tendo em mira não feras terríveis e selvagens cruéis, mas a caça, como troféus, de imagens, com a pretensão de desvendar um pouco da alma do continente africano.

Com esse espírito, já cansado de perambular pela Europa, sabor ”cartão-postal”, subi na carroceria de um caminhão em Londres, para descer depois de seis meses de sangue, suor, lágrimas e poeira, muita poeira, em Dar-es-Salaam, na Tanzânia.

Foram 20 mil quilômetros, de Londres a Dar-es-Salaam, na Tanzânia, cruzando dez paises africanos e três europeus.

Tudo começou no London Walkabout Club, em um pub frequentado por “aventureiros”…
africa london walkabout club

Interessado a viajar pela África, fui em informar sobre os overland tours no ”London Walk-About Club”, em Londres, que, na gíria australiana, walk-about quer dizer ”dar um giro” e é o nome de um pub frequentado por australianos (aussies) e neozelandeses (kiwis).

Walkabout historicamente refere-se a um rito de passagem durante o qual homens indígenas australianos passariam uma jornada durante a adolescência, tipicamente de 10 a 16 anos, e vivem na região selvagem por um período de seis meses para fazer a transição espiritual e tradicional para a masculinidade.

Desde que seu pedido não seja uma cerveja “bitter” e morna, no melhor estilo (argh!) dos ingleses, você será aceito na roda. Aussies e kiwis estão sempre circulando – walkabouting – a procura de aventuras, descolando e dando dicas de lugares agradáveis e baratos. Você, com certeza, os encontrará saboreando um the a la mente em Marrakesh ou comendo suvilaki em Creta.

No subsolo, anexo ao Walk-About Club, funcionava uma agência, a Encounter Overland (1968-2001), que organizava overlands travels e apresentava slides shows e palestras sobre suas viagens. E foi aí que me decidi conhecer a África, de caminhão.

Sonho de Infância

Quem, da minha geração (safra anos 50), não se imaginou cruzando o Saara em uma caravana, com silhuetas de tuaregs pinceladas no horizonte?

africa argelia tuareg silhuetaOu não desejou visitar a Caverna da Caveira do Fantasma e Capeto, guiado por pigmeus ?

Para quem não é ligado em quadrinhos: O Fantasma é uma tira de jornal do gênero aventura criada pelo roterista, Lee Falk e o desenhista, Ray Moore, contando as aventuras de um combatente do crime, mascarado e usando um traje colante, novidade numa tirinha de jornal de 1936. O personagem atua em um fictício país africano chamado Bangalla.

Após jurar ao crânio do assassino de seu pai que lutaria contra o mal, Christopher começou o legado do Fantasma que passaria de pai para filho. Apelidos para o Fantasma incluem “O espírito que anda” e “O Homem que não pode morrer”. 

Ao contrário de outros heróis fantasiados da ficção, o Fantasma não tem superpoderes e confia em sua força, inteligência e imortalidade de renome para derrotar seus inimigos. É casado com Diana, tem um lobo treinado, chamado Capeto, e um cavalo chamado Herói e vive na antiga caverna do crânio.

O preço da agência do Encounter Overland era alto…

Foi através de um anuncio na revista Time Out, que contatei uma agência que organizava grupos de viagens a Long Haul Expeditions, seguindo a dica de Steve Hanman, um australiano que conheci no pub e que veio a ser um dois melhores companheiros de viagem, dentre todos do grupo – o outro aussie é Greg Connor.

Apesar de que nosso grupo tenha fretado um caminhão de um guia – John, autônomo, que comprou e adaptou um Leyland 4×6 wd, usado, vendido em leilão pelo exército.  

A partida ficou acertada para a primeira semana de novembro de 85. Arregacei as mangas e comecei os preparativos. Meu passaporte ficou com a agência para obter os vistos de entradas necessários. No preço da viagem estava incluído o arrendamento do caminhão, equipamento de camping e os salários do tour-líder/mecânico e do motorista/courrier.

Fizemos uma coleta entre os viajantes para a compra de um estoque de mantimentos para quatro semanas, que seria reposto durante a jornada, pagamento de ferry-boats, taxas, entradas de parques, lenha, água, etc.

Enquanto aguardava a partida, instalei-me no flat de uma amiga brasileira, próximo ao Hide Park, na Inverness Terrace, rua conhecida como ”Avenida Brasil”, pela quantidade de brasileiros que lá se instalam. Ali pode-se matar todos os tipos de saudades de Pindorama. Do guaraná à feijoada completa, “importados”.

O mês de espera passou voando.

Em 3 de novembro de 1985, uma manhã de primavera e céu azul, rara em Londres, mochila às costas, câmera e lentes a tiracolo, armado com 36 rolos Kodachrome, coração apertado, bombeando uma mistura de sangue e ansiedade, embarquei em Victoria Station, rumo a Ramsgate, onde nos reuniríamos, e de lá, no caminhão, atravessaríamos o Canal da Mancha para “descobrir” a África…

 


África, de Londres, UK a Dar-es-Salaam, Tanzânia, 1985-86
Informações da Viagem / Long Haul Expeditions 1985 (pdf)

Trilhas Off-road / Overland Travels
Trilhas (parcial)

 

Roberto M.F. Mourão / ALBATROZ Planejamento
Para uso e permissões favor contatar: roberto@albatroz.eco.br

 

 

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