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Jangadeiros

Autoria: Roberto M.F. Mourão, ALBATROZ Planejamento

 

Jangadeiros

Jangadeiro é um pescador artesanal que conduz e utiliza a jangada como embarcação, referindo-se como o indivíduo dono, patrão ou tripulante desta embarcação tradicional.

tbc jangadeiro tibauNa jangada, a tripulação, nas versões da jangada tradicional – ou seja, o modelo mais comum que conhecemos desde o início do século XX, é de três a cinco pessoas. Essa turma trabalha num espaço de aproximadamente 5 a 7 metros, em média (na maior extensão, embora haja jangadas maiores de 8 metros), por 1,4 a 1,7 metros, na menor extensão.

Os jangadeiros sempre obedecem a regras bem conhecidas de uso das marés, dos regimes de ventos, das correntes, da sazonalidade da pesca.

Em função disso, suas incursões no mar variam bastante quanto ao tempo de permanência, ao trajeto navegado, e ao tipo de pesca que conseguem. Um período de permanência comum era de três dias a uma semana (algumas vezes mais, como relatam os antigos pescadores) no mar alto, a até 120 quilômetros da costa. Essa duração é cada vez mais rara, e os jangadeiros dificilmente ultrapassam os três dias, na atualidade, com incursões de até 50 quilômetros distanciados da costa.

Da mesma forma, as incursões de grupos de jangadas também são cada vez mais raras, sendo mais freqüente a pesca de uma turma isolada, numa única jangada.

Hoje em dia, aproveitando o crescimento do turismo no litoral Nordeste, a cada dia cresce o número de jangadeiros abandonando a pesca e fazendo passeios turísticos.

A Jangada

Jangada refere-se a uma embarcação de madeira utilizada por pescadores artesanais da Região Nordeste do Brasil.

tbc jangadeiro jangada artesanal webA forma da jangada incorpora uma série de interessantes avanços da ciência artesanal neolítica – que realizava experimentos diretos, nos materiais e a partir dos fenômenos presenciados, em “projetos de pesquisa” totalmente guardados na memória dos artesãos.

Em especial sua vela triangular envolve uma série de efeitos avançados, relacionados à dinâmica dos fluidos. Também conhecida como “vela latina”, ela permite navegar contra o vento, aproveitando a diferença de pressão do ar, que se forma entre sua “face externa” (aquela que se torna convexa pela pressão interna do vento) e sua “face interna” (aquela que se torna côncava, lado em que se posta o navegante).

As grandes embarcações também usaram a vela latina, mas de modo limitado, pois o seu emprego bem sucedido depende crucialmente da presença do navegante, que deve estar atento aos movimentos do vento: as diferenças de pressão são ativamente manipuladas por todo o tempo de navegação contra o vento. Os mesmos princípios são usados para manter os aviões no ar, graças à geometria de suas asas.

No caso da jangada, há uma graciosa curva quase-parabólica na parte superior do triângulo, e outra mais estendida e curta, abaixo. Essa assimetria se deve à altura de manipulação do mastro, que gira suavemente – dessa vez usando o princípio mecânico da alavanca – em torno de seu eixo.

Sua tecnologia de construção consiste no emprego hábil de materiais como madeiras de flutuação (como a balsa paraense, e outras espécies de difícil obtenção na atualidade), tecidos e cordas artesanais. A jangada tradicional não possui elementos em metal (como pregos, braçadeiras, etc); toda a sua estrutura é totalmente fixada por encaixes e amarrações com cordas de fibras selvagens.

A jangada é feita, tipicamente, com 6 paus:

  • 2 no centro (chamados de “meios”)
  • 2 seguintes, dispostos simetricamente (chamados “mimburas”, palavra de origem tupi)
  • 2 externos, chamados de “bordos”.

tbc jangadeiro ilustracaoOs 4 paus mais centrais (meios e mimburas) são unidos por cavilhas de madeira mais dura que a desses paus. Já os paus de bordo são encavilhados nos mimburas, de modo a ficarem um pouco mais elevados.

Sobre essa armação básica, instalam-se 2 bancos de madeira (cada qual respectivamente suportado por 4 elegantes hastes também de madeira, presos aos mimburas. Sobre essas hastes fixa-se uma tábua de madeira rija. O banco mais central, ou banco “de vante”, apóia o mastro da jangada. O outro banco, da ré, também é chamado de banco “do mestre”, pois nele trabalha o diretor da jangada (que, com um remo, a dirige). O remo do mestre se encaixa entre o mimbura e um dos paus do meio (o meio de boreste). Há ainda uma outra abertura entre os dois paus do meio, para a passagem da “tábua de bolina”. Essa tábua pode ser habilmente graduada em altura (o quanto é enfiada no mar) e inclinação (de forma mais limitada, no plano medial da embarcação). A tábua de bolina reduz o caimento da jangada quando ela navega com a proa bem cingida à linha do vento: isso é “navegar à bolina” (palavra que, por sua vez, vem do inglês “bowline”).

Todos os elementos da jangada tradicional são feitos artesanalmente, desde o mastro à vela, das cordas ao banco de navegação, redes de pesca, anzóis, âncora e samburás (cestos para guardar peixes e pertences).

Suas dimensões são resultado de uma série de “limitantes de projeto” náutico, entre os quais: o tamanho dos troncos disponíveis, a resistência dos encaixes e amarrações, a força necessária para movê-la sobre as ondas, o tamanho das velas e o empuxo do vento sobre elas, a força humana necessária para que apenas um homem (por vez, rotineiramente) a manobre, entre outros. Sua ergonomia é engenhosamente composta e administrada, se compreendermos essa embarcação artesanal com os olhos dos projetistas modernos.

O surgimento da jangada no isolado Nordeste Brasileiro

Como a jangada chegou ao Brasil? Ou se ela já estava aqui, seria como parte da cultura dos povos indígenas?

tbc jangadeiro jangadas porto de galinhasA palavra “jangada” trai essa origem ”asiática”: vem de “changadam”, palavra malaiala (língua dravídica da costa do Malabar, no estado indiano de Kerala) e, mais anteriormente, do sânscrito. Muito antes de ser uma embarcação típica de qualquer zona do Brasil, o termo sempre correspondeu a uma embarcação rudimentar feita com troncos de madeira.

A jangada vem para o Brasil como parte da rica troca havida entre a Índia, a África, a China e o Japão, sobretudo nos primeiros dois séculos da colonização do Brasil, pelo povo português. Incorpora ainda técnicas indígenas de corte de madeiras e extração das fibras de cordoamentos. Vem com as pessoas envolvidas nesse tráfico de outras pessoas, de bens, de animais, de plantas, de saberes – e, claro, especialmente o saber dos pescadores do Oceano Índico e das costas do Moçambique, que usavam barcos artesanais semelhantes às jangadas brasileiras – mas não iguais.

Parece, aos olhos de hoje, que as jangadas somente surgem no trecho da costa do Nordeste que vai do Rio Grande do Norte ao Piauí por curiosas razões históricas, pois poderíamos ter jangadeiros em todo o litoral do Brasil, desde o início da Colônia brasileira.

Isso se deveu, sobretudo, à sistemática eliminação de todas as formas de navegar que não fossem controladas pela Coroa portuguesa, em eficiente vigor desde o século XVII, com o início da exploração das Minas Gerais (centro-sul do Brasil), para evitar o contrabando do ouro. Essa faixa do litoral nordeste brasileiro era despovoada e imprópria para portos dos barcos transatlânticos à vela, pois é varrida pela poderosa corrente oceânica da Guiana, que dificultava terrivelmente a chegada de barcos vindos da Europa.

Os primeiros jangadeiros lançaram seus barcos ao mar em meio ao abandono desses séculos de solidão e isolamento, ainda que fossem parte das diversas levas migrantes que povoaram o interior nordestino desde meados do século XVII, trazendo e cultivando o gado cuja carne alimentava os trabalhadores da mineração.

Com sua admirável capacidade de navegar contra o vento, e de usar a força do vento para sobrepujar a corrente oceânica, a jangada encontrou nesse trecho do litoral brasileiro uma situação ideal, até a chegada dos barcos motorizados, que viabilizam os (até hoje curiosamente poucos) portos surgidos desde o século XIX.

O conhecimento da construção dessa família de embarcações artesanais está em extinção: embora ainda haja colônias de pescadores remanescentes das primeiras comunidades que ocuparam o litoral brasileiro (sobretudo no litoral do Estado do Ceará e do Rio Grande do Norte), praticamente não se constrói mais a jangada tradicional, com troncos de madeira de flutuação, as jangadas de troncos. As atuais jangadas são feitas em pranchas de madeira industrializada ou utilizando instrumentos de corte mecanizado – as jangadas de tábuas.

 

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Roberto M.F. Mourão / ALBATROZ Planejamento
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