Pousada Uacari
Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá

Estudo de Caso

Autoria: Roberto M.F. Mourão e Rodrigo Zombowski Ozorio, janeiro 2016

 

Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá é uma unidade de conservação estadual do Estado do Amazonas, com extensão de 1.124.000 ha, situada entre os rios Solimões, Japurá e Auati-Paraná.

É a maior área de reserva florestal de várzea protegida do mundo.

Forma com outras reservas vizinhas – Parque Nacional do Jaú e Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, formam um corredor de áreas de unidades de conservação com cerca de 580 mil km², o maior do planeta – uma área de aproximadamente o tamanho da Península Ibérica.

 

 

Pousada Uacari

Criada em 1998, a Pousada Uacari é administrada por meio de uma gestão compartilhada entre o Instituto Mamirauá e as comunidades da Reserva Mamirauá.

A Pousada Uacari é um dos melhores exemplos de gestão de Turismo de Base Comunitária na Amazônia, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, no município de Tefé, Estado do Amazonas.

A operacionalização da Pousada Uacari é uma linha de atuação do Programa de Turismo de Base Comunitária do Instituto Mamirauá.

Sistema de Gestão Pousada Uacari
Gestão Comunitária de Pousadas e Hotéis de Selva (Lodges)

 

 

A Pousada Uacari tem a finalidade de gerar renda para os moradores das comunidades locais e contribuir para a conservação dos recursos naturais. Dez comunidades da Reserva Mamirauá atuam na gestão da pousada, gerenciando os funcionários, prestadores de serviços e vendedores de produtos.

A pousada é dividida em 2 equipes:

  • Uma que trabalha em Tefé, cuidando das reservas e da logística de chegada e saída dos hóspedes.
  • E uma outra equipe que recebe os visitantes na própria pousada.

A maioria dos funcionários é das comunidades ribeirinhas, desde a gerência, passando pelos guias locais, camareiras, cozinheiros, auxiliares e zeladores.

A equipe da pousada funciona em sistema de rodízio, sendo que cada pessoa trabalha em média 10 dias por mês e depois volta para casa. O objetivo é que ninguém fique dependente da atividade turística e possa continuar exercendo outras atividades.

Uma associação, a Associação de Auxiliares e Guias de Ecoturismo do Mamirauá, foi criada pelos próprios moradores a fim de organizar a gestão do turismo e fortalecer a organização comunitária. Está em andamento um processo de transferência da gestão para a comunidade.

Quadros de Pessoal / Equipes / Operação Ecoturística

Quadros Funcionais

  • Quadro Fixo Funcionários
    Gerente, Governanta, Coordenador de Lazer, Coordenador de Manutenção, Guia Naturalista, Logística, Operador de Marketing e Vendas e Zeladores.
  • Quadro Temporário Rodízio
    Camareiro/a, Copeiro/a, Cozinheiro/a, Guias Locais, Assistente de cozinha, Assistente dos funcionários.
  • Trabalhadores Eventuais
    Carpinteiro, Eletricista, Encanador, Marceneiro, Mecânico, Pedreiro, Pintor.
Funções Operação de Campo

O número de funcionários, fixos ou em rodízio, variam conforme a quantidade de turistas.

Tabela 1 – Funções na Operação de Campo

Quadros de Pessoal / Funções

Tabela 2 – Funções na Operação de Campo

Detalhamento / Observações
  • Vendas/marketing/compras/logística
    – A tabela considera apenas a operação de campo, tais funções, normalmente desempenhadas por um escritório de apoio na cidade, não estão contempladas.
  • Guias
    – A cada 4 pax, 1 Guia (Coordenador de Lazer acumula função de Guia até 7 pax)
  • Zeladores
    – 2 Zeladores no quadro fixo. Trabalham 15 dias corridos e folgam 15.
  • Até 4 pax
    – Momento ideal para folga do Gerente (ou governanta), Coordenador de Manutenção e um dos Guias Naturalistas;
    – Coordenador de Lazer faz a função de Guia;|
    – Governanta acumula as funções de Copeira, Camareira e responde pelo Gerente;
    – Zelador acumula a função de Assistente dos Funcionários;
    – No caso de folga da Governanta, contratar um assistente de funcionários que possa auxiliar o Gerente na Camareira. O Gerente faz a função de Copeiro.
  • De 5 a 7 pax
    – Governanta ou assistente cozinha acumulam papel de Copeiro;
    – Camareira também apoia funcionários juntamente com Zelador;
    – Coordenador de Lazer faz a função de 1 guia.
  • Até 10 pax
    – Se os 2 Guias Naturalistas estiverem com as folgas em dia, 1 se dedica a atividades de pesquisa/planejamento/melhoria setor de lazer
  • A partir de 11 pax
    – 2 Guias Naturalistas são necessários
    – Barqueiros
    – A análise em questão considera o serviço de transporte fluvial terceirizado (por isso não inclui Barqueiros)
  • Funcionamento do rodízio
    – É necessário, em cada pacote, pagar uma diária para um membro da Associação que ficará responsável por convocar os trabalhadores e organizar o rodízio. 
Sistema de Rodízio de Trabalhadores do Ecoturismo

O objetivo do rodízio é propiciar que a renda gerada pela atividade atinja um número maior de pessoas/famílias possíveis, em distintas comunidades, buscando assim, uma distribuição mais equitativa dos recursos.

Além disso, é uma estratégia que busca minimizar a dependência das pessoas com relação ao Ecoturismo, uma vez que elas se dedicam somente alguns dias no mês à atividade, e assim têm tempo disponível para se dedicarem a atividades econômicas tradicionais (agricultura, extrativismo, pesca etc.).

A preocupação de não gerar dependência é relevante, pois o ecoturismo é uma atividade sensível a fatores externos (econômicos, políticos, ambientais etc.) que podem impactar na sua continuidade.

Fluxograma de Funcionamento do Rodízio

 

Participantes do Rodízio

O rodízio reúne todos os trabalhadores locais capacitados para atuarem em funções essenciais para a operação da pousada, tais como:

  • Guias Locais ou Mateiros,
  • Cozinheira/o,
  • Assistente de cozinha,
  • Copeira/o,
  • Camareira/o,
  • Assistente dos funcionários.

Do rodízio não participam os trabalhadores do Quadro Fixo, bem como trabalhadores que realizam serviços eventuais.

A operacionalização do rodízio depende da comunicação entre vários setores do empreendimento.

Primeiramente, a pessoa encarregada pelas vendas repassa as informações sobre o agendamento dos grupos para o gerente da pousada, que confere o número de pessoas, o tipo de quarto (single/double/triplo), a data de entrada e saída e calcula o número de trabalhadores necessários com base na tabela trabalhadores x ecoturistas.

Logo, entra em contato com gestor do rodízio – que idealmente deve ser membro da Cooperativa – e solicita o número de trabalhadores (por função) para o período.

O rodízio é organizado por funções. Em cada uma das listas (referente a uma função específica, os trabalhadores pertencem a distintas comunidades (posicionados de maneira alternada), de forma a incrementar a participação.

 O gestor do rodízio consulta a lista e convoca os trabalhadores que estão na vez. É função dele articular o transporte para levar e trazer os trabalhadores para o empreendimento.

O meio de comunicação entre pousada/gestor do rodízio/trabalhadores é de extrema importância para o bom funcionamento do sistema.

Num cenário ideal, internet e telefone melhoram o fluxo da informação e dão agilidade à operação. No caso de não existir essa infraestrutura de comunicação entre todos, um sistema de rádio pode viabilizar a operacionalização do sistema.

Número de Integrantes do Rodízio

O rodízio precisa ter um número adequado de pessoas para funcionar, para suprir as necessidades da operação do empreendimento e garantir que os integrantes tenham uma boa frequência de trabalho. A qualidade do serviço está diretamente relacionada à frequência do trabalhador. Trabalhadores que participam eventualmente tendem a apresentar deficiências na execução do serviço. Cada função no rodízio deve ter um número específico de trabalhadores, que varia de acordo com a necessidade da operação.

A função Guias, por exemplo, deve ter um maior número de pessoas em comparação à função cozinheira/o, já que para grupos de 8 em diante, são necessários 2 guias ou mais, enquanto 1 cozinheira/o é suficiente para qualquer tamanho de grupo.

Esse número ideal deve ser estabelecido com base nas estimativas de demanda do empreendimento (número de pax e grupos) e em conversas com as comunidades. Anualmente, é importante conferir a composição do rodízio, se certificando se há pessoal suficiente no rodízio para atender à demanda, se os trabalhadores estão assíduos e se o funcionamento está ocorrendo de forma adequada.

Se o funcionamento do rodízio não é frequentemente avaliado, corre-se o risco de pessoas e comunidades serem favorecida. O que pode prejudicar a distribuição de renda, gerar conflitos e enfraquecer a participação das comunidades no projeto ou trabalhadores ficarem sobrecarregados, sobretudo durante a alta temporada. Que repercute na qualidade dos serviços e pode gerar dependência econômica. Além disso, a Pousada pode ficar desassistida em períodos de maior fluxo de visitantes, ou dependente de um número restrito de pessoas.

Qualidade dos Serviços

A atividade de Ecoturismo exige bons padrões de qualidade de serviço para ser exitosa. Para isso, é fundamental que o trabalhador tenha realizado uma capacitação de formação na função a ser desempenhada para poder participar do rodízio.

Igualmente, recomenda-se que ele passe por um período probatório (a ser definido pela equipe e comunidade), a fim de se observar se existe interesse e aptidão para a tarefa. 

Frequentemente, o empreendimento deve realizar cursos de reciclagem para todas as funções, além de estabelecer mecanismos de avaliação dos serviços. A assiduidade no desempenho da função interfere diretamente na qualidade dos serviços, tanto para trabalhadores que participam pouco quanto para aqueles que acabam sobrecarregados por trabalharem demais.

Avaliação dos Serviços

O sistema de rodízio naturalmente traz desafios maiores relacionados à qualidade dos serviços, pois o universo de pessoas participando é muito maior. Manter uma padronização num cenário como esse exige um esforço e um olhar atento do gestor. Nesse sentido, avaliar constantemente os serviços é fundamental.

Sugere-se que o empreendimento tenha um questionário de avaliação que permita conhecer o ponto de vista do turista, solicitando que o visitante o preencha no final da sua estada. Isso servirá para monitorar a qualidade e identificar possíveis lacunas nos serviços.

Entretanto, é recomendável que a própria equipe possua um sistema de autoavaliação. O ideal é que a avaliação seja realizada ao final de cada pacote, onde cada setor do empreendimento pode se autoavaliar separadamente, para posteriormente reunir todos os setores, realizando uma avaliação completa da operação. 

Regras para o Bom Funcionamento do Rodízio

É importante construir com as comunidades um regimento para o funcionamento do rodízio, onde os direitos e deveres de cada ator envolvido fiquem claros.

Sugestões de pontos importantes desse regimento:

  • Discutir e definir com as comunidades o número ideal de dias de trabalho/mês, a fim de atender às necessidades geração de renda, sem comprometer as atividades tradicionais.
  • Definir as comunidades participantes e os critérios para tal;
  • Discutir e definir quem pode participar do rodízio dentro da comunidade (exemplo: se é necessário estar morando na comunidade, ou se pessoas que acabaram de chegar à comunidade já podem entrar no rodízio etc.);
  • Estabelecer um número máximo de faltas que o trabalhador pode ter (e em que condições), a fim de que sua participação não passe a ser eventual;
  • Estabelecer um mínimo de participação em capacitações e reuniões de avaliação do sistema;
  • Definir quem será o gestor do rodízio, bem como suas atribuições;
  • Garantir que o gerente da Pousada tenha autonomia para corrigir/substituir trabalhadores que estejam causando transtornos e prejudicando a operação;
  • Determinar medidas corretivas em virtude de atos de indisciplina no trabalho ou de desempenho insatisfatório (com base nas informações dos gerentes ou coordenadores de setor)
  • Determinar a frequência de reuniões de avaliação do funcionamento do rodízio;
  • Ter um encaminhamento claro para os que descumprirem o acordo e definir quem deve encaminhar a questão.
Financiamento de Projetos Comunitários (Benefícios Econômicos Indiretos)

A Pousada e o Centro de Pesquisas em Mamirauá têm o potencial de envolver e beneficiar diretamente pessoas das comunidades do entorno, por meio da prestação de serviços, da compra de produtos agrícolas e pescado e da venda de artesanatos para os ecoturistas.

Contudo, a população local é grande e muitas famílias não participarão diretamente desses benefícios, já que o empreendimento é de pequeno porte e não tem como atender a todas as demandas de geração de renda da localidade. É natural também que alguns moradores não possuam aptidões (ou interesse) para o trabalho com o turismo e, portanto, não usufruam diretamente desses benefícios.

Entretanto, o Ecoturismo e a Pesquisa podem gerar divisas que indiretamente beneficiem essas pessoas e suas comunidades, através do financiamento de projetos comunitários.

Esse recurso seria destinado a um fundo, cuja gestão ficaria a cargo das comunidades. Para isso, sugere-se que seja montada uma comissão composta por lideranças das comunidades, a qual se responsabiliza por avaliar os projetos, dividir e direcionar os recursos e monitorar a execução das atividades propostas. Para que a comunidade possa utilizar os recursos, é necessário a apresentação de um projeto que beneficie a coletividade.

Fluxograma de Funcionamento do Fundo de Projetos Comunitários

Compra de Produtos Agrícolas e Pescado

É importante um esforço – por parte da gerência do empreendimento – para a compra de produtos locais oriundos da agricultura familiar e da pesca tradicional como forma de contribuir para a distribuição local da renda, diminuindo a evasão de divisas geradas pelo Ecoturismo.

Sabe-se que nem sempre esses produtos estão disponíveis, algumas vezes porque o agricultor não tem o costume de cultivá-los/produzi-los (alguns até mesmo desconhecem determinados produtos), outras vezes em razão da sazonalidade da produção.

Entretanto, se houver um planejamento direcionado a essa parceria com a agricultura local, a oferta de produtos locais pode atender boa parte da demanda do empreendimento.

Nesse sentido, um mapeamento das famílias com perfil agrícola e de pesca é importante. Após essa identificação, é interessante dialogar com os produtores, conhecer a sua produção, o calendário dos seus cultivos, saber o interesse deles em fornecer produtos para o empreendimento e em diversificar e/ou incrementar a produção, se necessário.

Uma estratégia interessante pode ser nomear uma pessoa dentro da cooperativa que seja responsável por essa articulação com os agricultores. Essa pessoa teria a responsabilidade de semanalmente passar nas comunidades e “fazer a feira” para a Pousada, facilitando, dessa forma, a logística de abastecimento (sobretudo quando os agricultores/pescadores estão espalhados em várias comunidades).

 

Links

Pousada Uacari, Mamirauá

Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

 

Roberto M.F. Mourão / ALBATROZ Planejamento
Para uso e permissões favor contatar: roberto@albatroz.eco.br

 

 


José Marcio Ayres

(α 1954 – ω 2003)

“O Márcio está fazendo uma coisa muito inteligente, sensata e importante em Mamirauá. Ele organizou muito bem as comunidades. Para falar a verdade, é a única coisa que eu conheço na defesa e no desenvolvimento sustentável da Amazônia é o trabalho do Márcio”. Paulo Vanzolini, Folha do Meio Ambiente em 01/04/2003.

O pesquisador, conservacionista e biólogo paraense José Márcio Ayres ficou mundialmente conhecido como o idealizador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), primeira reserva amazônica a produzir resultados econômicos significativos, unindo pesquisa e preservação ambiental. José Márcio Ayres chegou a Mamirauá em 1983.

A reserva, de 1,124 milhão de hectares, está localizada no município de Tefé (AM) e foi criada em 1990. No município, estão sendo desenvolvidas ações bem-sucedidas de manejo participativo, com o desenvolvimento e comercialização de produtos extrativistas e agrícolas. Um dos destaques é o projeto de restabelecimento da população de pirarucus, maior peixe amazônico, comercializado de forma racional na reserva.

Além de ser responsável pela implantação da Reserva de Mamirauá, José Márcio Ayres lutou pela criação, em área contígua, da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, constituída em 1998, com 2,35 milhões de hectares. Junto com o Parque Nacional do Jaú, as duas reservas formam um vasto corredor ecológico, de mais de 5,7 milhões de hectares.

Mamirauá: A Vida Em Equilíbrio

Mamirauá é um exemplo perfeito de desenvolvimento sustentável. A comunidade tem plena consciência e sabe conviver com a fauna, com a flora, com o rio e com tudo que a floresta lhe dá sem precisar degradar. Mamirauá é o exemplo e o legado que José Márcio Ayres deixa para o Brasil e para o planeta. 

José Márcio Ayres costumava dizer aos amigos:

“Muito do trabalho que nós temos feito juntos para proteger os recursos naturais e construir uma base para uma melhor estratégia de conservação está hoje bem enraizada na sociedade. Então, não será fácil retroceder”. E não há como retroceder quando a semente está bem plantada na alma de cada habitante desta região.

Fica a saudade !

R.I.P.

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