
Estudo de Caso
Rodovia Rio-Santos e Turismo na Costa Verde
Rodovia Rio-Santos / BR-101
O traçado da estrada era para ser um segredo de Estado.
Assim, quando a rodovia Rio/Santos, a BR-101, cortasse os 500 quilômetros de costa entre estas duas cidades litorâneas, o habitante local estaria protegido em sua terra, preservado da especulação imobiliária decorrente da valorização que a região sofreria em consequência da estrada. Porém, não foi isto o que aconteceu.
A frente do governo do, então, Estado da Guanabara, estava o senhor Carlos Lacerda que, devido à sua posição política, teve prévio conhecimento do traçado da rodovia e das faixas de terra por esta rasgadas.
Quando o trecho da rodovia BR-101 entre Santa Cruz, no Rio de Janeiro, e Ubatuba, no litoral paulista, foi inaugurado em meados da década de 70, grande parte dos títulos das terras deste litoral estava em poder de empresas estrangeiras, com o nome do Carlos Lacerda funcionando como testa de ferro.
Projeto Turis (fevereiro 1973)
O Projeto Turis, (Plano de Aproveitamento Turístico), elaborado pela empresa francesa Scet International para a Embratur, em fevereiro de 1973, se pretendia equacionar o desenvolvimento turístico do litoral Rio-Santos, propondo um plano diretor da região, tendo como base destinos turísticos franceses (Côte d’Azur, Languedoc- Roussillón e Côte d’Aquitane), visando uma ocupação que maximizasse a rentabilidade.
Apesar da preocupação dos consultores da Scet Internacional (Société Centrale Pour L ́Equipement du Territoire) com impactos ambientais, o uso massivo do litoral era meta prioritária do governo federal brasileiro, focado no projeto ‘Prá Frente Brasil’. A proposta foi um total fracasso pois na medida que o projeto avançava com a pavimentação da Rodovia Rio-Santos, os espaços turísticos foram desaparecendo por aterramento de mangues eocupação irregular das praias.
Os níveis de necessidade de concentração média e extensiva do Projeto TURIS.
Este projeto propugnava “um planejamento normativo global, com estudos e normas de ocupação que integrassem as construções aos ambientes e às destinações turísticas, visando à maximização da rentabilidade de toda a região aliada a uma implantação adequada“.
Os redatores do projeto, preocupados com a preservação ambiental como fator de desenvolvimento turístico, tinham certeza de que “a construção da rodovia teria consequências drásticas na região”.
Reconheciam, também, que sua implantação era meta prioritária no governo federal, com o então ministro Mário Andreazza, em plena época de “Brasil Grande”.
Já em 1968, haviam sido iniciados os estudos da viabilidade técnico-econômica para a construção de uma estrada entre as cidades do Rio de Janeiro e Santos.
O trecho Rio/Santos faz parte da BR-101, um eixo rodoviário cujos extremos situam-se em Osório no Rio Grande do Sul e em Fortaleza no Ceará, cruzando o País de norte a sul, paralelo e próximo ao litoral.
Conforme o texto do Projeto Turis, a estrada poderia ser considerada um importante equipamento turístico, uma vez que dava vazão a um grande intercâmbio provocado pela busca das praias e da natureza por parte das populações das grandes cidades do macro eixo Rio/São Paulo.
O texto do projeto reconhecia que o litoral Rio/Santos se configura como uma estreita fita serpenteando pelos contrafortes da Serra do Mar.
“Em nenhum outro ponto do litoral brasileiro a Serra do Mar se aproxima tanto do Oceano Atlântico quanto nesta parte entre o Rio e Santos”.
Numa paisagem extremamente variada com uma costa recortada, foram diagnosticadas, ao longo desta região litorânea, cerca de 500 ilhas parcéis e lajes.
Apesar do alerta e das propostas do Projeto Turis na preservação ambiental desta região como fator de desenvolvimento turístico (a matéria-prima da indústria turística é a natureza), o traçado desta estrada aterrou cerca de 70 praias deste belo litoral.
Quando o então presidente da Embratur, Paulo Protásio, expôs o Projeto Turis a uma plateia selecionada, muitas das 250 praias catalogadas por este já não existiam mais.
As obras de construção da estrada não esperaram a conclusão do estudo. A despeito do gasto de 300 mil dólares na elaboração do projeto, a própria Embratur renunciou ao mesmo num prazo inferior a dois anos após sua apresentação.
O Projeto Turis não conseguiu se impor frente à trágica realidade da construção deste trecho da BR-101.
Ainda em 1973, o paisagista Burle Max encaminhou ao Conselho Federal de Cultura um comovido relatório denunciando as agressões que estavam sendo praticadas contra o meio ambiente na região.
“No trecho entre Angra dos Reis e Paraty, a mutilação e violação à natureza atinge proporções indescritíveis: os cortes são feitos nas montanhas com brutalidade nunca vista, com mais de 100 metros de altura e essa terra é jogada das encostas aterrando praias e soterrando florestas”.
Quando o trecho da estrada até Ubatuba foi inaugurado, o engenheiro agrônomo Nelson Cembranelli Schimidt, então na base do Instituto Agronômico de Campinas, no Vale do Paraíba, demonstrou que o leito da rodovia funcionava como um dique represando as águas oriundas das nascentes da serra do Mar.
A água ali represada, que fez apodrecer a vegetação nativa, poderá, conforme o agrônomo forçar o rompimento da estrada causando danos humanos e materiais incalculáveis. O mesmo fenômeno repetiu-se anos mais tarde, na década de 80, quando no governo João Batista Figueiredo foi retomada a construção de alguns trechos da estrada entre Bertioga e São Sebastião.
Entretanto, um fato é verdadeiro: as agressões ambientais não cessaram quando a ligação Rio/Santos foi concluída.
Ao contrário, iniciou-se, então, mau nova fase de devastação, cujo agente principal é a especulação imobiliária. Com frágeis equipamentos legais de proteção de uso do solo, as prefeituras dos municípios cortados pela estrada viram, pouco apouco, muitas de suas florestas darem lugar a campos de golfe e quadras de tênis de poderosos empreendimentos turísticos.
Isto tudo ao lado da privatização e poluição das praias que, ancestralmente, haviam pertencido aos caiçaras, pescadores artesanais neste litoral.
Por outro lado, a precariedade de fiscalização dos órgãos responsáveis pela preservação ambiental deixa sem defesa áreas imensas de florestas primárias, assaltadas por palmiteiros e por caçadores e vendedores de pássaros.
O Parque Nacional de Bocaina, sob a responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com mil quilômetros quadrados de extensão, e que abrange os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, tem somente oito agentes de defesa florestal atuando em sua área, sendo que um deles é responsável por todo município de Paraty.
Um sonho desfeito
O sonho de conclusão da rodovia BR-101 acabou juntamente com o do “Brasil Grande’.
O trecho da estrada entre Santos e Ubatuba nunca foi concluído.
Ficaram as cicatrizes e os cortes na serra do Mar e na Mata Atlântica, além dos numerosos viadutos perdidos na floresta tropical, como cenário de um filme de aventuras sobre civilizações desaparecidas.
Em Caraguatatuba, em meio à Mata Atlântica, há um viaduto abandonado de 50 metros de altura por 250 metros de comprimento.
No trecho de Ubatuba a São Se- bastião ainda é usada a ligação SP-55, que corta bairros e centros das cidades.
De São Sebastião a Bertioga, estrada batizada com o nome de rodovia Prestes Maia, foram aproveitados os trechos mais planos do traçado da BR-101 e grande parte do leito da estreita e sinuosa SP-55.
Porém, para todos os fins, essa ligação ficou sendo conhecida como BR-101, ou seja, a Rio/Santos. De concreto, o que sobrou foi um brutal aumento em nossa dívida externa, pois a estrada foi financiada com dinheiro estrangeiro.
Em consequência da abertura desta rodovia, várias atividades econômicas subsistem concomitantemente ao longo do litoral Rio/Santos.
Aí estão instalados os dois maiores terminais de petróleo da América Latina, em São Sebastião e em Angra dos Reis; uma usina atômica na praia de Itaorna, também em Angra; uma intensa atividade turística espalhada por toda a orla, ao lado da pesca artesanal, de roças de consumo, da pesca industrial e de uma agricultura de maior escala.
Roberto M.F. Mourão / ALBATROZ Planejamento
Para uso e permissões favor contatar: roberto@albatroz.eco.br