Proposta de Ordenamento Turístico
Região Trindade-Juatinga
Contexto Regional
Mosaico Bocaina, Vila de Trindade
Autoria: Roberto M.F. Mourão, ALBATROZ Planejamento
Vila de Trindade, Vila Oratório, Condomínio Laranjeiras
Praias do Sono, Antigos, Antiguinhos e Ponta Negra

Mosaico Bocaina
A palavra mosaico significa “embutido de pequenas pedras, ou de outras peças de cores e tamanhos diferentes, que pela sua disposição aparentam um desenho”.
O significado da palavra Mosaico, adotado pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, se remete a este conceito:
“algo formado por partes menores interdependentes, que possuem funções e características quando estão isoladas, mas juntas e unidas, essas peças se fortalecem e ganham um sentido maior”.
Um conjunto de unidades de conservação e áreas protegidas é considerado um mosaico, quando sua gestão é feita de maneira integrada, pois assim como os ecossistemas ali presentes são interdependentes, suas administrações também devem ser.
O Mosaico Bocaina foi instituído pela Portaria MMA nº 349, de 11 de dezembro de 2006 . O reconhecimento de um mosaico é feito pelos órgãos gestores das unidades de conservação.
A maior parte das unidades de conservação que compõem o Mosaico Bocaina apresentam algum tipo de ocupação humana em seu interior, em boa parte composta por povos e comunidades tradicionais entre caiçaras, caipiras, quilombolas e indígenas.
A lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, estabelece em seu artigo 26:
“quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas,justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional”
O território do Mosaico Bocaina reúne unidades de conservação, de âmbitos federal, estadual e municipal e suas respectivas zonas de amortecimento, localizadas no Vale do Paraíba do Sul, litoral norte do Estado de São Paulo e litoral sul do Estado do Rio de Janeiro, abrangendo:
- 14 municípios dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo
- 18 Unidades de Conservação e suas zonas de amortecimento
- 05 Terras Indígenas
- 04 Quilombos
A região integra o Corredor da Biodiversidade da Serra do Mar, um “hotspot”, uma das áreas mais ricas em biodiversidade em toda a Mata Atlântica. O território do Mosaico abriga importantes maciços florestais totalizando cerca de 222 mil hectares, sob condições especiais de manejo e proteção legal.
O primeiro Mosaico de Unidades de Conservação do Brasil, segundo a normatização do SNUC, foi criado em março de 2005 no Piauí. Ao mesmo tempo foi criado um Corredor Ecológico integrando as duas unidades que o compõe. Em maio de 2006, o segundo Mosaico foi criado abrangendo o litoral sul de São Paulo e litoral do Paraná.
No Corredor da Biodiversidade da Serra do Mar temos o Mosaico Bocaina, o Mosaico Central Fluminense e Mosaico Mantiqueira, abrangendo municípios dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, todos criados em 2006.
Integram o Mosaico Bocaina 9 municípios dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
- Rio de Janeiro
– Angra dos Reis
– Areias
– Itaguaí
– Mangaratiba
– Paraty
– Rio Claro - São Paulo
– Bananal
– Caraguatatuba
– Cunha
– Natividade da Serra
– São José do Barreiro
– São Luiz de Paraitinga
– Silveiras
– Ubatuba
Parque Nacional da Serra da Bocaina
O Parque Nacional da Serra da Bocaina foi criado em 1971, localiza-se na divisa entre os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro e está inserido em importantes municípios turísticos como: Angra dos Reis, Paraty, Ubatuba, Cunha, Areias, São José do Barreiro e Bananal (BRASIL, 2002).
Em função da beleza cênica dos vários pontos turísticos do Parque, como as cachoeiras nas serras, as praias do litoral e as fazendas históricas nas cidades do Vale do Paraíba do Sul, várias trilhas e caminhos em seu interior têm sido explorados pelo turismo regional. Os atrativos naturais e históricos do entorno da área também são, de certa forma, indutores do uso turístico do Parque.
O recorte desta pesquisa se concentra na Vila de Trindade, um núcleo de pescadores parcialmente localizado no interior do PNSB. Essa vila pertence ao Distrito de Paraty-Mirim (no município de Paraty), que compreende 40% do Parque, uma das áreas com maior atratividade turística na região da denominada Costa Verde.
Essa localidade encontra-se a 22 km do centro de Paraty, é cercada pela Mata Atlântica, em parte no interior da Área de Proteção Ambiental (APA) Cairuçu e do PNSB. Essa localidade possui cinco grandes atrativos naturais no entorno ou interior da área do Parque: as Praias Brava, dos Ranchos, do Meio, do Caxadaço e a Piscina Natural do Caxadaço, além das várias trilhas e cacho- eiras, fatores que impulsionam um grande número de visitações. Porém sua vila de moradores encontra-se no entorno direto do Parque e no interior da APA.
Vila de Trindade
A história da vila de Trindade se associa à luta dos moradores para permanecerem no local. Essa luta começou em 1970, quando a multinacional Brascan tentou construir na vila um condomínio de luxo, passando a comprar terras dos nativos. Como muitos se recusaram a deixar suas casas, a empresa enviou para a área jagunços armados, reclamando o direito de posse da terra, destruindo as poucas construções existentes e desabrigando moradores.
Em Laranjeiras, próximo à Trindade, a mesma multinacional construiu o luxuoso Condomínio de Laranjeiras, um dos mais exclusivos do país. Nessa região, ao contrário do que ocorreu na vila, não houve luta pela terra.
A população de Trindade conseguiu garantir o direito à terra na justiça, através da ajuda de alguns turistas que frequentavam a vila. Estes instruíram e apoiaram os moradores nesse movimento, fortalecendo a divulgação da invasão da área nas mídias nacional e internacional, contando também com o apoio de um grande jurista – o dr. Sobral Pinto, que atualmente dá nome à rua principal da vila.
Foi devido a essa articulação entre visitantes e população local que a vila não foi substituída pelo empreendimento. Em 1981, foi estabelecido um acordo entre a multinacional e os habitantes locais, segundo o qual, grande parte das terras ainda permaneceria sob o poder da primeira. Porém, além do direito a terra, os nativos conquistaram a garantia da liberdade de acesso às praias.
Somente após a construção do Condomínio Laranjeiras foi implantada a rodovia PRT-101 (popularmente conhecida como Morro do Deus-me-livre), único acesso regular à vila de Trindade. Em 1999, a pavimentação dessa estrada e a chegada da telefonia à vila contribuíram para o aumento considerável do fluxo de visitantes no local, o que ocasionou a atração de empreendedores de diversas localidades.
Assim, as casas de veraneio, pousadas, restaurantes e bares, construídas de modo desorganizado, “concorreram com as práticas comerciais dos nativos, aumentando o impacto de desordem social já bastante grave entre os nativos e novos residentes lá estabelecidos”.
A partir desse momento, a população local se organizou em uma Associação de Moradores Nativos e Originários de Trindade (AMOT). Atualmente, a Associação tem como principais focos o turismo, devido a sua importância para a economia local, e a busca por investimentos em infraestrutura urbana na vila. Além disso, a Associação é o canal de comunicação com os representantes do poder público.
A “ausência do Parque” durante muitos anos na Trindade foi um importante motivo de “desconfiança” com relação às intenções dos administradores dessa unidade de conservação. O fato de a equipe técnica do Parque, depois de mais de 30 anos de ausência na localidade, ter a missão atual de implementar efetivamente a UC, vem causando incertezas, principalmente na parcela da população que viveu o conflito pela posse das terras com a empresa Brascan.
Esses atores se mostram receosos com o fato de os administradores do PNSB definirem normas para a vida da localidade, até mesmo impedindo e/ou controlando práticas e atividades ali consolidadas.
Conflitos na gestão do Parque Nacional da Serra da Bocaina
Outros fatos que desencadearam importantes conflitos entre a população local e a administração do Parque (dificultando sua entrada na localidade) foram:
- a proibição do uso de uma área de camping no interior do PNSB por parte da AMOT;
- o embargo das obras na rede de tratamento de esgoto na vila (em andamento há 12 anos), por inexistência de licença ambiental;
- a possibilidade de proibição da pesca local; e
- a iminência da retirada dos quiosques localizados na Praia do Meio.
Com relação ao primeiro fato, os atores locais advogaram que o camping gerido pela Associação de Moradores representava a principal fonte de renda dessa instituição, que, por sua vez, aplicava tais recursos na própria localidade.
No que diz respeito ao segundo problema, todos os entrevistados da pesquisa se mostraram contrários à posição da equipe do Parque em paralisar as obras na rede de esgoto. Se o maior objetivo de um Parque Nacional é a proteção da natureza, os trindadeiros não conseguem entender como os administradores da UC podem embargar uma obra que também tem como objetivo principal a proteção da natureza. Além disso, os atores locais alegam que, se há algum pro- cesso inadequado em curso na localidade, deveria ser função da equipe técnica do Parque trabalhar em parceria com os moradores para a resolução do problema e não definir, unilateralmente, o encaminhamento para a questão identificada.
Já com relação à pesca, todos criticam a provável proibição dessa atividade no interior da UC, apesar de os administradores alegarem bases legais para isso.
Para os moradores da Trindade, a pesca representa a base da cultura caiçara ainda existente na vila e, para alguns, a base da renda familiar. Por fim, sobre a retirada dos quiosques instalados na praia do Meio, a população como um todo também percebe essa ação como desnecessária e preocupante, no que diz respeito à eliminação das possibilidades de trabalho das pessoas.
Na praia do meio você tem uma série de quiosques e restaurantes, e aquilo causa um impacto ambiental violento, isso todo mundo sabe, mas se você tira todos aqueles restaurantes dali, você causa um impacto social fortíssimo, porque todos ali têm como fonte de renda aqueles restaurantes (Entrevistado F – pousadeiro).
As restrições ao uso dos recursos naturais renováveis vêm potencializando um processo de resistência dos atores locais à existência da UC e, a partir daí, surgem os conflitos de interesses, uma vez que as demandas de preservação da natureza se contrapõem a algumas necessidades de sobrevivência dos grupos que habitam o local.
Diante desse cenário de conflitos, parecem existir duas visões distintas sobre as consequências da existência do Parque para a Trindade. Para a primeira, representada pela interpretação dos atores locais que viveram o conflito de terras com a Brascan, o Parque não irá trazer qualquer benefício para a localidade.
Os interesses da administração do PNSB estariam sintonizados com os dos proprietários particulares do vizinho Condomínio Laranjeiras, e visariam, além da proibição da pesca, o controle do número de turistas na Trindade e a retirada dos quiosques instalados na praia do Meio, com a finalidade de enfraquecer a cultura caiçara e dificultar o trabalho e a geração de renda para a população da Trindade.
A segunda perspectiva resulta do grupo de moradores da Trindade que tem uma visão positiva acerca das consequências da existência do Parque. Este grupo é representado pelos mais jovens da vila. Nessa segunda abordagem, há a crença de que o Parque poderá trazer muitos benefícios para os turistas e para a população local, mesmo quando se expressa o receio com relação ao futuro.
No que diz respeito às parcerias estabelecidas entre o Parque e o Condomínio Laranjeiras – quando a nova equipe do PNSB chegou a Trindade – ambos os grupos confirmam que esta relação acabou por romper com o início de uma parceria entre a administração da UC e os trindadeiros. Para esses atores, os administradores não estariam preocupados com os moradores da vila, e sim em favorecer os grandes investidores da região. Porém, atualmente, este continua sendo um problema somente para o grupo que entende o Parque como um entrave para a vida no local. Os demais atores não acreditam que a administração está interessada em trabalhar a favor de interesses particulares, e, sim, conseguir parcerias para o financiamento de atividades de conservação da biodiversidade.
Apesar de todas as preocupações mencionadas, o grupo que se mostra a favor da existência do Parque considera que poderá ser gerada uma série de benefícios para a população local, como a garantia do direito à posse da terra para os trindadeiros, o ordenamento do turismo na vila e a proteção da natureza. Além disso, é interessante destacar que esse grupo também associa o Parque com o resgate e fortalecimento da Associação de Moradores, o que é interpretado como um ponto positi- vo, gerado a partir desse processo recente de implementação da UC. Com a necessidade de maior articulação entre os moradores e o PNSB para que pudessem ser debatidos os caminhos para o desenvolvimento na vila, a Associação voltou a ter força e representatividade.
Diante do contexto discutido, o caminho proposto pelos moradores da Trindade para que a implementação do Parque não ocorra de modo a prejudicar a vida dos trindadeiros é o diálogo constante entre a administração do PNSB e a população local, assim como a sua participação em todos os processos decisórios com relação à gestão da UC. Nesse sentido, parte da população local avalia que, a partir do início da última gestão, vem ocorrendo um esforço para o fortalecimento do diálogo entre a administração do Parque e os moradores.
Para os trindadeiros não basta que os administradores apresentem regras e queiram impor um novo jeito de viver aos moradores da vila, o mais importante é que a equipe técnica da UC proporcione meios para que a população possa respeitar a legislação e continuar com suas atividades tradicionais, que são a base do seu sustento e renda. Nesse sentido, o mais importante seria entender as peculiaridades da cultura local e buscar o estabelecimento de parcerias entre os trindadeiros e o PNSB para uma efetiva implementação do Parque.
Portanto, na visão local, para que ocorra a implementação do Parque, é necessário um diálogo claro entre as instâncias envolvidas. Porém, uma das principais dificuldades para o processo de implementação e gestão das unidades de conservação, com destaque para os Parques, é justamente o fato de os órgãos governamentais dificilmente atuarem em conjunto no local de inserção de uma UC, o que gera uma atuação institucional distante da realidade local.
A relação do PNSB com a Trindade: a visão dos gestores públicos
Após mais de 30 anos de ausência na Trindade, a administração do PNSB reconhece que a implementação da UC vem ocorrendo de forma lenta, e há ainda muitos desafios a serem transpostos. Algumas ações iniciais, como a proibição da área de camping da Associação de Moradores no interior do Parque, a autuação de todos os quiosques instalados na praia do Meio, as discussões sobre a necessidade de retirada desses quiosques e a colocação de placas informativas sobre a existência do PNSB geraram tensões entre a população local e a equipe técnica da UC. É possível perceber, em algumas falas, que as regras iniciais impostas à população local so- bre o que seria ou não permitido na Trindade realmente não foram construídas em parceria com os atores locais, o que gerou ainda mais conflitos:
Nós estabelecemos algumas normas, que não foram construídas junto com a comu- nidade. Nós chegamos estabelecendo o que não podia mais acontecer e foi um processo que primeiro teve uma reação muito forte, teve trindadeiro que atravessou a sala, co- locou o dedo na minha cara e disse que eu ia ter que matar ele para fechar o camping (Interlocutor 1 – chefe do PNSB).
Apesar dos problemas iniciais, a equipe da UC considera Trindade como uma das áreas focais que mais tem exigido a atenção da administração do Parque. Isto porque, apesar desta ser uma área não muito extensa, se comparada com toda a área do Parque, ela possui uma visibilidade elevada. Para os administradores, ações como a demarcação da unidade, com a instalação de cercas e placas informativas, operações de fiscalização, elaboração de termos de compromisso, a proibição da pesca e o ordenamento do turismo na vila são primordiais para a implementação do PNSB na área da Trindade.
Um item central para a equipe técnica é a demarcação da área do Parque, para que se evite alegações de desconhecimento dos limites da UC pela população local. Para a administração do PNSB, mesmo ainda não sendo clara essa delimitação, todos os pro- prietários de posses ilegais não podem alegar desconhecer que estão no interior de uma unidade de conservação de proteção integral, já que, mesmo antes do início da implementação efetiva do Parque, todos já haviam sido autuados.
No que diz respeito especificamente às famílias que vivem no interior da área do Parque desde antes de sua criação, a equipe do PNSB optou pela elaboração de um Termo de Compromisso para normatizar as atividades que vêm sendo realizadas para atender aos turistas como, por exemplo, a regularização dos campings. Sendo assim, a intenção é firmar acordos individuais com esses moradores, garantindo a manutenção de suas famílias no local até que elas sejam indenizadas.
Vale lembrar que o Decreto 4.340, de agosto de 2002 (em seu artigo 39), que visa regulamentar alguns artigos da Lei do SNUC, menciona que, no caso de populações tradicionais em UCs de proteção integral, “enquanto estas não forem reassentadas, as condições de permanência serão reguladas por um Termo de Compromisso, negociado entre o órgão executor e as populações, ouvido o Conselho da unidade de conservação”.
Pela legislação vigente, na elaboração do Termo de Compromisso, deverão ser indicadas as áreas ocupadas, as limitações necessárias para assegurar a conservação da natureza e os deveres do órgão executor em relação ao processo indenizatório, devendo ser assegurados o acesso das populações às suas fontes de subsistência e a conservação dos seus modos de vida. A partir do exposto nesse decreto, se discute que a grande ironia em torno da gestão, no caso dos Parques Nacionais, é que às populações locais é permitido participar do planejamento da própria exclusão, já que para o Termo de Compromisso ser firmado entre atores locais e institucionais, o processo de indenização e retirada dessa população local precisa estar explicitado.
Importante considerar, então, que as questões de indenização não são as únicas que precisam ser avaliadas no momento de retirada da população local para implementação do Parque. Questões relativas aos impactos sociais e culturais também devem ser melhor entendidas, pela administração da UC, como essenciais nessa negociação.
Com relação à pesca, a atividade vem também ocorrendo em desacordo com as normas da UC, mas esse tema ainda não é prioridade para a administração do PNSB, uma vez que ainda não há uma relação de confiança entre os atores locais e administradores do Parque, como afirma um dos entrevistados:
[…] a pesca é uma atividade que ocorre lá em desacordo com as normas do Parque, mas que a gente ainda não começou a trabalhar porque precisamos primeiro ter essa relação de confiança e construção coletiva com a comunidade (Interlocutor 1 – chefe do PNSB).
Diante desse cenário, para a equipe do Parque, a população de Trindade tem duas di- ferentes posições frente à UC; um desses gru- pos agiria a favor da existência e implementação do PNSB e teria maior consciência da necessidade de conservação e “qualificação” do turismo; enquanto o outro grupo agiria em repúdio às atividades realizadas pela equipe do Parque. A equipe do Parque atribui tal desconfiança ao fato de os trindadeiros terem vivido um processo histórico violento de luta pela posse das terras na Trindade.
Mesmo diante de um grupo que rejeita a existência da UC, o chefe do PNSB acredita que, à medida que os resultados do trabalho forem aparecendo, a população local tenderá a apoiar, cada vez mais, a administração do PNSB. A equipe técnica do Parque acredita ser possível uma medida para a minimização dos conflitos com os moradores por meio de uma maior participação da população na gestão do PNSB e a realização de atividades efetivas de educação ambiental. Assim, a administração acredita que o fortalecimento do Conselho Consultivo do Parque é fundamental para possibilitar essa maior participação dos atores locais na gestão e sensibilização destes para as necessidades de proteção da natureza.
Nesse sentido, o Conselho do PNSB representa, em tese, uma instância potencial para a representação e participação da sociedade no processo, e uma via importante na discussão dos diferentes interesses envolvidos, intermediação de conflitos, mudanças sociais e democratização das relações de poder entre as populações locais e a administração do Parque.
Considerações finais
Parece haver, por parte dos dois grupos pesquisados, o reconhecimento de que a relação entre eles é marcada por uma série de conflitos. Após muitos anos de ausência da administração do Parque na Trindade, esses conflitos surgiram das ações de ordenamento do turismo e implementação do Parque. As restrições de uso e sua imposição aos grupos locais costumam ocorrer sem explicações e/ ou compensações, o que gera inúmeras frustrações e incertezas. Além disso, frequente- mente, os administradores dessas áreas não percebem com clareza, no cotidiano da gestão, os conflitos sociais e culturais que tal processo costuma causar, o que se ilustra claramente na dinâmica discutida no caso do PNSB.
A partir dessa análise sobre o modelo de UCs e especialmente de Parques Nacionais adotados pelo Brasil, o caso abordado ilustra uma situação histórica de afastamento entre a gestão pública e a população local, decorrente ainda de uma velha lógica de desenvolvimento, pautada no raciocínio de que o governo sempre sabe o que é melhor para a população. Assim, o PNSB é internalizado pelos atores locais não como patrimônio coletivo, mas como bem de domínio do poder público.
Em contrapartida a essa velha lógica de desenvolvimento, parece ser reconhecida a necessidade do diálogo constante e uma maior participação dos moradores da Trindade na gestão da área. Como meio de promoção da participação, a equipe do Parque acredita na consolidação do Conselho Consultivo, criado recentemente. Não obstante, são ainda inúmeros os desafios a serem enfrentados para que o Conselho do PNSB possa realmente se transformar em espaço de governança democrática, a começar pela mobilização dos moradores locais e internalização, por ambas as partes, das dificuldades do processo. Além disso, é importante ter em mente o real alcance dos conselhos, visto que eles se inserem em campos de forças, sendo diretamente influenciados pela dinâmica sociocultural e política da região de inserção de cada UC.
Brandão (2007) também destaca que a valorização das arenas locais não pode perder de vista os conflitos políticos e a estruturação das classes sociais presentes em uma sociedade. Dessa forma, é possível que os conselhos tenham pouca efetividade em equilibrar os interesses entre os grupos representados ou de fazer valer as decisões adotadas em favor daqueles de menor poder político, econômico e ideológico. Fica então evidente o papel do Estado em promover oportunidades equânimes de participação dentro das arenas deliberativas e atuar de maneira efetivamente coordenada, levando sempre em consideração as decisões tomadas em conjunto.
Diante desse cenário, é possível afirmar que, para o estabelecimento efetivo de uma nova lógica de desenvolvimento na gestão de unidades de conservação é preciso avançar tanto na estrutura institucional da política – que ainda pressupõe, em certos casos, a impossibilidade de integração entre sociedade e natureza –, quanto na sua implementação, através da mobilização e capacitação dos gestores públicos para a governança democrática em prol de um desenvolvimento local sustentável.
Fontes
- Mosaico Bocaina, Instituto EcoBrasil
- “Conflitos na gestão do Parque Nacional da Serra da Bocaina: entraves ao desenvolvimento local na Vila de Trindade, Paraty; Bruna Ranção Conti; Diogo de Carvalho Antunes
Proposta de Ordenamento Turístico da Região Trindade-Juatinga
- CCT Trindade-Juatinga – Histórico / Objetivos / Atividades
- CCT Trindade-Juatinga – Relatório Operação Verão 2009-2010 ICMBio-INEA
- CCT Trindade-Juatinga – Equipe Técnica
- CCT Trindade-Juatinga – Atividades
- CCT Trindade-Juatinga – Considerações sobre Capacidade de Carga
- CCT Trindade-Juatinga – Contexto Regional, Mosaico Bocaina
- CCT Trindade-Juatinga – Áreas Recreativas de Praias
- CCT Trindade-Juatinga – Vila de Trindade, História
- CCT Trindade-Juatinga – Capacidade de Manejo da Visitação (modelagem)
- CCT Trindade-Juatinga – CCT Praias de Vila de Trindade
- CCT Trindade-Juatinga – Campings da Vila de Trindade, Avaliação
Observação
As praias da Juatinga – Condomínio Laranjeiras, Sono, Antigos, Antiguinhos e Ponta Negra ainda não tem seus Números Balizadores da Visitação (NBVs) definidos.

Capacidade de Carga Turística (CCT)
- CCT – Conceito / Métodos de Determinação
- CCT – Considerações Iniciais
- CCT – Capacidade de Carga Biológica
- CCT – Impactos da Visitação
- CCT – Trilha Macuco, Parque Nacional do Iguaçu (estudo de caso)
Campings
- Camping
- Camping: Infraestrutura / Tipos / Recomendações
- Camping: Áreas Silvestre / Camping “Selvagem”
- Campings: Glamping, acampando com glamour
- Camping: Ordenamento da Praia do Aventureiro, Ilha Grande (Estudo de Caso)
- Turismo – Infraestrutura: Trilhas, Índice Geral
- Infraestrutura: Trilhas – Desenho, Usos, Grau de Dificuldade, Traçado
- Infraestrutura: Trilhas – Uso Recreativo
- Infraestrutura: Trilhas – Interpretação
- Infraestrutura: Trilhas – Exemplos de Interpretação Ambiental
- Estudo de Caso – Trilhas de Estudo e Pesquisa: Estación Biológica La Selva, Costa Rica, (2005)
- Estudo de Caso – Trilhas: Caminhos do Peabiru (20o6)
- Estudo de Caso – Trilhas: Trilha Inca / Camino Inka / Inka Trail – Impactos, Recuperação (2003/2008)

Roberto M.F. Mourão / ALBATROZ Planejamento
Para uso e permissões favor contatar: roberto@albatroz.eco.br






